Hoje como no tempo da guerra do século XIX, o interesse de Moscou nesta península tem a ver com a sua posição geográfica. Valerá ainda uma guerra?
A península da Crimeia já foi um
cemitério de exércitos europeus. Em meados do século XIX, ali se envolveram a
Rússia contra o Império Otomano, França, Reino Unido e Sardenha, numa guerra
que tinha a ver com os direitos dos cristãos na Terra Santa. A Crimeia estava a
ser usada pela Rússia para iniciar uma política expansionista para os mares
quentes e rumo a Constantinopla – o verdadeiro motivo que esteve por trás deste
conflito entre nações que foi o primeiro a ter cobertura noticiosa por
correspondentes de guerra.
Três anos de guerra, iniciada em
1853, fizeram 750 mil mortes e saldaram-se por uma derrota russa, ainda que a
Crimeia continuasse sob o controlo de Moscou – foi integrada no Império Russo
por Catarina, a Grande em 1783, permitindo o acesso ao Mar Negro. Ainda hoje é
a porta de acesso da Rússia ao Mar Negro, com a cidade de Sebastopol a acolher
a base da Frota do Mar Negro – num aluguel prolongado recentemente até 2042
pelo Presidente deposto Viktor Ianukovich, em troca de descontos no preço do
gás natural.
Ali estão estacionados 25 navios
de combate e 13 mil homens, que foram mobilizados por exemplo na altura da
guerra da Geórgia, em Agosto de 2008. Mas o então Presidente Vikor Iuchenko
exigiu que Moscou não usasse a frota durante este conflito.
Muitos povos passaram pela Crimea
– mongóis e tártaros, que se tornaram uma minoria depois de muitos terem sido
expulsos para a Ásia Central nas grandes purgas feitas por Estaline depois da
Segunda Guerra Mundial – considerava que tinham colaborado com os nazis. Por
isso não é de surpreender que hoje os tártaros – muitos regressaram após a
independência da Ucrânia – estejam do lado da revolução e contra os russos.
Os ucranianos étnicos representam
cerca de 24% da população actual da Crimeia, segundo o Census de 2014 e os
tártaros 12%.
Mas a Crimeia ocupa um lugar
importante no imaginário russo, tal como o Leste da Ucrânia, e a própria Kiev.
Sebastopol, a maior cidade da península, é conhecida como “a cidade da glória
russa”, diz a Foreign Policy. Estaline recebeu Winston Churchill e Franklin
Roosevelt na Crimeia, em Ialta, em 1945. Houve uma feroz batalha entre o
Exército Vermelho e as tropas nazis na Crimeia entre 1941 e 1942, recordada na
cultura popular. Durante a época soviética, a Crimeia era um dos destinos turísticos
mais populares por trás da Cortina de Ferro.
Mas Nikita Krushov transferiu a
Crimeia para a República Socialista da Ucrânia a 19 de Fevereiro de 1954 – no
que foi descrito como “um gesto simbólico” que assinalava o 300º aniversário do
momento em que a Ucrânia se tinha tornado parte do Império Russo. O mito
popular também diz que a decisão foi tomada pelo líder soviético da altura
durante uma bebedeira.
Foi depois da queda da União
Soviética, e da independência da Ucrânia, que a Crimeia, onde a maioria dos
dois milhões de habitantes (mais de 60%) fala russo e se sente russa começou a
ficar desconfortável. Administrativamente é uma República Autônoma dentro da
Ucrânia, com um estatuto específico e um orçamento próprio. Tem a sua própria
Constituição, desde 1999.
O interesse de Moscou na Crimeia, além de ser um ícone prezado do
imaginário e da história russa, prende-se com a sua posição estratégica, hoje
como no tempo da guerra da Crimeia do século XIX. Não é ainda claro é se
Vladimir Putin considera que valerá a pena combater por esta península em forma
de diamante à maneira do século XIX.
Fonte: publico.pt / texto: Clara Barata.
Excelente esclarecimento sobre a matéria. O Blog está fantástico. E como vai vc, professora? Te mandei um e-mail. Um beijo.
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