Os primeiros registros de
práticas de ilegalidade no Brasil, que temos registro, datam do século XVI no
período da colonização portuguesa. O caso mais frequente era de funcionários
públicos, encarregados de fiscalizar o contrabando e outras transgressões
contra a coroa portuguesa e ao invés de cumprirem suas funções, acabavam
praticando o comércio ilegal de produtos brasileiros como pau-brasil,
especiarias, tabaco, ouro e diamante. Cabe ressaltar que tais produtos somente
poderiam ser comercializados com autorização especial do rei, mas acabavam nas
mãos dos contrabandistas. Portugal por sua vez se furtava em resolver os
assuntos ligados ao contrabando e a propina, pois estava mais interessado em
manter os rendimentos significativos da camada aristocrática do que alimentar
um sistema de empreendimentos produtivos através do controle dessas práticas.

Um segundo momento
refere-se a extensa utilização da mão-de-obra escrava, na agricultura
brasileira, na produção do açúcar. De 1580 até 1850 a escravidão foi
considerada necessária e, mesmo com a proibição do tráfico, o governo
brasileiro mantinha-se tolerante e conivente com os traficantes que burlavam a
lei. Políticos, como o Marquês de Olinda e o então Ministro da Justiça Paulino
José de Souza, estimulavam o tráfico ao comprarem escravos recém-chegados da
África, usando-os em suas propriedades. Apesar das denúncias de autoridades
internacionais ao governo brasileiro, de 1850 até a abolição da escravatura em
1888, pouco foi feito para coibir o tráfico. Isso advinha em parte pelos
lucros, do suborno e da propina, que o tráfico negreiro gerava a todos os participantes,
de tal forma que era preferível ao governo brasileiro ausentar-se de um
controle eficaz. Uma fiscalização mais rigorosa foi gradualmente adotada com o
compromisso de reconhecimento da independência do Brasil. Um dos países
interessados em acabar com o tráfico escravo era a Inglaterra, movida pela
preocupação com a concorrência brasileira às suas colônias açucareiras nas
Antilhas.

Com a proclamação da
independência em 1822 e a instauração do Brasil República, outras formas de
corrupção, como a eleitoral e a de concessão de obras públicas, surgem no
cenário nacional. A última estava ligada à obtenção de contratos junto ao
governo para execução de obras públicas ou de concessões. O Visconde de Mauá,
por exemplo, recebeu licença para a exploração de cabo submarino e a transferiu
a uma companhia inglesa da qual se tornou diretor. Prática semelhante foi
realizada por outro empresário brasileiro na concessão para a iluminação a gás
da cidade do Rio de Janeiro, também transferida para uma companhia inglesa em
troca de 120 mil libras. O fim do tráfico negreiro deslocou, na República, o
interesse dos grupos oligárquicos para projetos de grande porte que permitiriam
manter a estrutura de ganho fácil.
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Coronéis e barões do café:
típicos representantes das elites durante a República Oligárquica
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A corrupção eleitoral é um
capítulo singular na história brasileira. Deve-se considerar que a participação
na política representa uma forma de enriquecimento fácil e rápido, muitas vezes
de não realização dos compromissos feitos durante as campanhas eleitorais, de
influência e sujeição aos grupos econômicos dominantes no país (salvo raras
exceções). No Brasil Império, 1822-1889, o alistamento de eleitores era feito a
partir de critérios diversificados, pois somente quem possuísse uma determinada
renda mínima poderia participar do processo. A aceitação dos futuros eleitores
dava-se a partir de uma listagem elaborada e examinada por uma comissão que
também julgava os casos declarados suspeitos. Enfim, havia liberdade para se
considerar eleitor quem fosse de interesse da própria comissão. A partir disso
ocorria o processo eleitoral, sendo que os agentes eleitorais deveriam apenas
verificar a identidade dos cidadãos que constava na lista previamente formulada
e aceita pela comissão.

Com a República,
proclamada em 1889, o voto de “cabresto” foi a marca registrada no período. O
proprietário de latifúndio apelidado de “coronel” impunha coercitivamente o
voto desejado aos seus empregados, agregados e dependentes. Outra forma
constante de eleger o candidato era o voto comprado, ou seja, uma transação
comercial onde o eleitor “vendia” o voto ao empregador. A forma mais pitoresca
relatada no período foi o voto pelo par de sapatos. No dia da eleição o votante
ganhava um pé do sapato e somente após a apuração das urnas o coronel entregava
o outro pé. Caso o candidato não ganhasse o eleitor ficaria sem o produto
completo. Deve-se considerar que a maior parte das cidades não possuía número
de empregos suficiente que pudessem atender a oferta de trabalhadores, portanto
a sobrevivência econômica do eleitor/empregado estava atrelada a sujeição das
vontades do coronel.

Outro registro peculiar
desse período é o “sistema de degolas” orquestrado por governadores que
manipulavam as eleições para deputado federal a fim de garantir o apoio ao
presidente, no caso Campos Sales (presidente do Brasil de 1898 a 1902). Os
deputados eleitos contra a vontade do governo eram simplesmente excluídos das
listas ou “degolados” pelas comissões responsáveis pelo reconhecimento das atas
de apuração eleitoral. Todos os governos, até 1930, praticavam degolas.

Uma outra prática
eleitoral inusitada ocorreu em 1929, durante as disputas eleitorais à
presidência entre os candidatos Júlio Prestes (representante das oligarquias
cafeicultoras paulistas) e Getúlio Vargas (agregava os grupos insatisfeitos com
o domínio das oligarquias tradicionais). O primeiro venceu obtendo 1 milhão e
100 mil votos e o segundo 737 mil. Entretanto os interesses do grupo que
apoiava Getúlio Vargas, acrescido da crise da Bolsa de Nova York, que levou à
falência vários fazendeiros, resultou numa reviravolta do pleito eleitoral. Sob
acusações de fraude eleitoral, por parte da aliança liberal que apoiava o
candidato derrotado, e da mobilização popular (Revolução de 30), Getúlio Vargas
tomou posse como presidente do país em 1930. Talvez essa tenha sido uma das
mais expressivas violações dos princípios democráticos no país onde a fraude
eleitoral serviu para a tomada de poder.

Durante as campanhas
eleitorais de 1950, um caso tornou-se famoso e até hoje faz parte do anedotário
da política nacional: a “caixinha do Adhemar”. Adhemar de Barros, político
paulista, era conhecido como “um fazedor de obras”, seu lema era “Rouba, mas
faz!”. A caixinha era uma forma de arrecadação de dinheiro e de troca de
favores. A transação0 era feita entre os bicheiros, fornecedores, empresários e
empreiteiros que desejavam algum benefício do político. Essa prática permitiu
tanto o enriquecimento pessoal, para se ter uma idéia, em casa, Adhemar de
Barros costumava guardar para gastos pessoais 2,4 milhões de dólares, quanto
uma nova forma de angariar recursos para as suas campanhas políticas.

O período militar,
iniciado com o golpe em 1964, teve no caso Capemi e Coroa- Brastel uma amostra
do que ocultamente ocorria nas empresas estatais. Durante a década de 80 havia
um grupo privado chamado Capemi (Caixa de Pecúlios, Pensões e Montepios),
fundado e dirigido por militares, que era responsável pela previdência privada.
O grupo era sem fins lucrativos e tinha como missão, gerar recursos para
manutenção do Programa de Ação Social, que englobava a previdência e a
assistência entre os participantes de seus planos de benefícios e a filantropia
no amparo à infância e à velhice desvalida. Este grupo, presidido pelo general
Ademar Aragão, resolveu diversificar as operações para ampliar o suporte
financeiro da empresa. Uma das inovações foi a participação em um consórcio de
empresas na concorrência para o desmatamento da área submersa da usina
hidroelétrica de Tucuruí (empresa estatal). Vencida a licitação pública em 1980
deveria-se, ao longo de 3 anos, concluir a obra de retirada e de
comercialização da madeira. O contrato não foi cumprido e o dinheiro dos
pensionistas da Capemi dizia-se que fora desviado para a caixinha do
ministro-chefe do Sistema Nacional de Informações (SNI), órgão responsável pela
segurança nacional, general Otávio Medeiros que desejava candidatar-se à
presidência do país. A resultante foi a falência do grupo Capemi, que
necessitava de 100 milhões de dólares para saldar suas dívidas, e o prejuízo
aos pensionistas que mensalmente eram descontados na folha de pagamento para a
sua, futura e longínqua, aposentadoria. Além do comprometimento de altos
escalões do governo militar o caso revelou: a estreita parceria entre os grupos
privados interessados em desfrutar da administração pública, o tráfico de
influência, e a ausência de ordenamento jurídico.

Em 1980 o proprietário da
Coroa-Brastel, Assis Paim, foi induzido pelos ministros da economia Delfim
Netto, da fazenda Ernane Galvêas e pelo presidente do Banco Central, Carlos
Langoni, a conceder à Corretora de Valores Laureano um empréstimo de 180
milhões de cruzeiros. Cabe ressaltar que a Coroa-Brastel era um dos maiores
conglomerados privados do país, com atuações na área financeira e comercial, e
que o proprietário da Corretora de Valores Laureano era amigo pessoal do filho
do chefe do SNI Golbery do Couto e Silva.
Interessado em agradar o
governo militar, Paim concedeu o empréstimo, mas após um ano o pagamento não
havia sido realizado. Estando a dívida acumulada em 300 milhões de cruzeiros e
com o envolvimento de ministros e do presidente do Banco Central, a solução
encontrada foi a compra, por Paim, da Corretora de Valores Laureano com o apoio
do governo. Obviamente a corretora não conseguiu saldar suas dívidas, apesar da
ajuda de um banco estatal, e muito menos resguardar o prestígio dos envolvidos.

A redemocratização
brasileira na década de 80 teve seu espaço garantido com o fim do governo
militar (1964-1985). Em 1985 o retorno dos civis à presidência foi possível com
a campanha pelas Diretas-Já, que em 1984 mobilizou milhares de cidadãos em
todas as capitais brasileiras pelo direito ao voto para presidente. Neste novo
ciclo político o Impeachment do presidente Collor constitui um marco divisor
nos escândalos de corrupção.

Durante as eleições para
presidente em 1989 foi elaborado um esquema para captação de recursos à eleição
de Fernando Collor. Posteriormente, foi revelado que os gastos foram
financiados pelos usineiros de Alagoas em troca de decretos governamentais que
os beneficiariam. Em abril de 1989, após aparecer seguidamente em três
programas eleitorais, Collor já era um nome nacional. Depois que Collor começou
a subir nas pesquisas, foi estruturado um grande esquema de captação de
dinheiro com base em chantagens e compromissos que lotearam previamente a
administração federal e seus recursos. Esse esquema ficou conhecido como
“Esquema PC”, sigla baseada no nome do tesoureiro da campanha, Paulo César
Farias, e resultou no impeachment do presidente eleito. Segundo cálculos da
Polícia Federal estima-se que este esquema movimentou de 600 milhões a 1 bilhão
de dólares, no período de 1989 (campanha presidencial) a 1992 (impeachment).

Nossa breve história da
corrupção pode induzir à compreensão que as práticas ilícitas reaparecem como
em um ciclo, dando-nos a impressão que o problema é cultural quando na verdade
é a falta de controle, de prestação de contas, de punição e de cumprimento das
leis. É isso que nos têm reconduzido a erros semelhantes. A tolerância a
pequenas violações que vão desde a taxa de urgência paga a funcionários
públicos para conseguir agilidade na tramitação dos processos dentro de órgão
público, até aquele motorista que paga a um funcionário de uma companhia de
trânsito para não ser multado, não podem e não devem mais ser toleradas.
Precisamos decidir se desejamos um país que compartilhe de uma regra comum a
todos os cidadãos ou se essa se aplicará apenas a alguns. Nosso dilema em
relação ao que desejamos no controle da corrupção é esquizofrênico e espero que
não demoremos muito no divã do analista para decidirmos.
Fonte:MCC - Profa. Dra. Rita Biason
Departamento de Relações
Internacionais
UNESP - Campus Franca
Voto Consciente
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