
Desde os
tempos antigos, as sociedades tentam separar as pessoas com doenças daquelas
que não são afetadas. As referências ao isolamento remontam ao Antigo
Testamento. À medida que o Covid-19 corre o mundo, somos aconselhados a fazer
autoisolamento.

Para entender
a importância da quarentena durante esta pandemia moderna, é útil relembrar a
história da própria palavra "quarentena", que remonta à Europa
medieval.
A palavra
"quarentena" tem raízes italianas: em um esforço para proteger as
cidades costeiras da Peste Negra que assolava a Europa do século XIV, os navios
que chegavam a Veneza de portos infectados eram obrigados a permanecer
ancorados por 40 dias (quaranta giorni) antes do desembarque, prática que
eventualmente ficou conhecida como quarentena - derivada de 'quarantino', a
palavra italiana para se referir a um período de 40 dias.

Em 1374,
foi emitida uma proclamação em Veneza, declarando que todos os navios e
passageiros deveriam ser estacionados na ilha vizinha de San Lazzaro até que o
conselho especial de saúde lhes desse permissão para entrar na cidade.
- "Isso levou à discriminação de navios e viajantes de certos países, bem como a outras irregularidades que ocorriam regularmente em Veneza", escreve o co-autor Ante Milošević no livro Lazaretto em Dubrovnik: O início do regulamento de quarentena na Europa.
No outro
lado do Mar Adriático, em Ragusa (atual cidade de Dubrovnik, na Croácia), o
Grande Conselho da cidade aprovou uma lei inovadora em 1377 para impedir a
propagação da pandemia, exigindo que todos os navios de entrada e caravanas que
chegassem de áreas infectadas se submetessem a 30 dias de isolamento.
A
legislação, que em latim era: "Veniens de locis pestiferis non intret
Ragusium vel districtum" (os que chegam de áreas infectadas por peste não
devem entrar em Ragusa ou em seu distrito"), estipulava que quem vinha de
lugares perigosos deveria passar um mês na cidade vizinha de Cavtat ou no ilha
de Mrkan para desinfecção antes de entrar na cidade murada medieval.
"Dubrovnik
implementou um método que não era apenas justo, mas também muito sábio e
bem-sucedido, e prevaleceu em todo o mundo", escreve Milošević.
Isolamento e disciplina são as duas
coisas importantes
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Ana Bakija-Konsuo |
A médica e
coautora do livro, Ana Bakija-Konsuo, acrescentou que a diferença entre as duas
cidades foi que Dubrovnik foi o primeiro porto do Mediterrâneo a isolar
pessoas, animais e mercadorias provenientes de áreas infectadas por mar ou
terra, mantendo-os separados da população saudável, enquanto Veneza parou todos
os navios e comércio, interrompendo a vida na cidade.
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Dubrovnik |
A
República Ragusana impôs punições e multas muito rígidas aos infratores que não
seguissem a lei de quarentena de 30 dias (trentina, como o termo foi escrito em
um documento encontrado nos arquivos de Dubrovnik de 27 de julho de 1377).
No início,
a quarentena era de 30 dias, mas acabou sendo prolongada para 40 dias, como em
Veneza.
Ninguém
sabe exatamente por que o período de isolamento foi alterado de 30 para 40
dias:
- alguns sugerem que 30 dias foram considerados insuficientes para impedir a propagação da doença, pois o período exato de incubação era desconhecido;
- outros acreditam que a quarentena de 40 dias estava relacionada à observância cristã da Quaresma.
- Outros acreditam que os 40 dias são baseados em relatos bíblicos como o grande dilúvio, Moisés ficar no monte Sinai ou os 40 dias de Jesus no deserto. Veneza oficializou os 40 dias em 1448, quando o Senado veneziano acrescentou 10 dias à regra de quarentena de 30 dias para os navios que entravam em seu porto.

Em Lazaretto, em Dubrovnik, o governo de Dubrovnik chegou à ideia de quarentena
como resultado de sua experiência em isolar as vítimas de hanseníase para
evitar a propagação da doença, escreve Bakija-Konsuo.
Ao longo
de sua história, Dubrovnik foi devastada por inúmeras doenças, com a hanseníase
e a peste representando as maiores ameaças à saúde pública.
- "A ciência histórica, sem dúvida, provou o pioneirismo de Dubrovnik na 'invenção' da quarentena", disse Bakija-Konsuo.
- "O isolamento, como conceito, já havia sido aplicado antes de 1377, como mencionado no Estatuto da Cidade de Dubrovnik, escrito em 1272, e onde é a primeira menção ao isolamento dos pacientes com hanseníase. Este Estatuto está entre alguns dos mais antigos documentos legais por escrito da Croácia. "
Bakija-Konsuo
explica que Lázaro foi declarado o santo padroeiros dos leprosos pela Igreja,
porque, de acordo com a Bíblia, ele sofria de hanseníase. Dessa forma, os
abrigos para os doentes foram nomeados em homenagem a ele e chamados de
lazarettos.

Depois que
Ragusa montou o primeiro hospital temporário de peste da Europa na ilha de
Mljet, as instalações de quarentena em toda a Europa acabaram ficando
conhecidas como "lazarettos".
Bakija-Konsuo
disse que, seguindo a legislação de isolamento de Ragusa em 1377, a quarentena
foi implementada pela primeira vez em Cavtat, uma pequena cidade localizada ao
sudeste de Dubrovnik e nas ilhas próximas (Supetar, Mrkan e Bobara).
"Inicialmente,
as acomodações de quarentena eram ruins, improvisadas, em cabanas, tendas e, às
vezes, ao ar livre. O benefício das cabanas era que elas poderiam ser
facilmente queimadas como medida de desinfecção ", diz ela.
Em 1397,
foi tomada a decisão de estabelecer uma quarentena no mosteiro beneditino na
ilha de Mljet. O lazaretto em Danče foi construído em 1430 e, posteriormente,
um lazaretto maior e mais moderno foi construído na ilha de Lokrum.
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Mosteiro beneditino na ilha de Mljet |
Em 12 de
fevereiro de 1590, o Senado de Dubrovnik decretou que o último lazaretto fosse
construído em Ploče, a entrada leste da Cidade Velha. A construção do complexo
de lazaretto foi concluída por volta de 1647; em 1724, o Senado a proclamou
parte integrante das fortificações da cidade.
- "O Lazaretto preservou sua função original muito depois da queda da República de Dubrovnik, mas não temos certeza sobre o ano em que foi abolido como instituição de saúde; de acordo com o Arquivo Nacional em Dubrovnik, foi por volta de 1872 ", disse Bakija-Konsuo.
- "Este impressionante edifício de pedra representa não apenas um complexo arquitetônico único, mas também uma instituição que melhor descreve a rica herança médica da antiga Dubrovnik."
Os lazarettos de Dubrovnik |
Os
lazarettos de Dubrovnik, hoje atrações turísticas que abrigam eventos culturais
como concertos e dança folclórica tradicional de Linđo (Lindjo), são um
lembrete da luta da cidade no combate a doenças infecciosas séculos atrás.
Os
lazarettos (localmente chamados de "Lazaret" ou "Lazareti")
estão situados a aproximadamente 300 metros fora das muralhas de pedra da
Cidade Velha.
"Dentro
das muralhas da cidade, qualquer tipo de doença pode ser transmitida
facilmente, por isso as instalações dos lazarettos são áreas muito amplas e
espaçosas divididas em 10 edifícios de vários andares, para que haja sempre ar
suficiente", diz um guia turístico, observando as vistas deslumbrantes do Velho Porto da
cidade.
O complexo
de Lazaretto consiste :
- em 10 lazarettos,
- cinco pátios e
- duas guaritas.
Os
viajantes em quarentena podiam andar livremente pelo platô e até tinham
pequenos terraços onde podiam respirar ar fresco, mas eram proibidos de se
misturar com aqueles que já haviam sido libertados da quarentena ou com quem
morasse fora do complexo de lazarettos.
*** Com a
cidade atualmente em quarentena devido ao Covid-19, o turismo - a força vital
da economia croata e uma das principais fontes de renda de Dubrovnik - parou.
Depois do excesso de turismo, agora
existe a falta dele

"Nem
durante a guerra dos anos 90 Dubrovnik não estava tão vazia", diz Vuković
Vuka.
"Você
pode ouvir o silêncio e até sons baixos ecoas no paralelepípedo."
Dubrovniki
já sofreu com o excesso de turistas gerando superlotação e degradação de locais
históricos, mas agora o problema é outro. A cidade está vazia, e nem mesmo os
moradores podem ir às ruas.
Os
croatas, como seus vizinhos mediterrâneos, são seres sociais que gostam de
conversar e de tomar café nos cafés. "A covid deixa os croatas loucos,
gostamos de nos abraçar e de beijar como italianos e espanhóis", diz
Vuković Vuka. "Fazemos piadas de que na verdade o café é a reabilitação de
quem vai muito para o bar."

Diferentemente
da antiga lei de quarentena de Dubrovnik, hoje as pessoas têm a opção de se
auto-isolar no conforto de suas casas; no entanto, "[o] problema das
pessoas em Dubrovnik é que elas também vivem em grandes comunidades com seus
pais e avós; portanto, eles precisam tomar cuidado para não serem infectados
por causa deles", disse Vuković Vuka.

Fora isso,
pouco mudou nos últimos 600 anos em relação aos protocolos de quarentena, que
Dubrovnik implementou várias vezes ao longo dos séculos e serve como um
lembrete nos dias atuais: "Isolamento e disciplina são as duas coisas
importantes" diz a médica.
AGORA VAMOS FAZER UMA VISITINHA A DUBROVNIK
Fonte: BBC Brasil
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autorização por escrito da BBC
Muito bom.
ResponderExcluirParabéns pelo material enriquecedor do seu blog.
ResponderExcluirTrabalho ótimo e ideias fantásticas para professores.
Boa semana.