Discutir o uso de celular
na sala de aula não é tarefa fácil. Existem muitas divergências a respeito dos
pontos positivos e dos negativos, muitas teorias acerca da dispersão dos alunos
e muito medo das potencialidades do “aparelho”.
Recentemente, a Lei nº
18.118/2014, de 24 de junho, proibiu o uso de aparelhos/equipamentos
eletrônicos em salas de aula no estado do Paraná.
No momento, houve muitas
expressões de entusiasmo dos professores que se manifestaram a respeito. No
entanto, a lei é bem confusa e eu sei que muitos não leram com atenção esta
parte: “Os aparelhos serão permitidos em classe apenas para fins pedagógicos,
sob orientação e supervisão do profissional de ensino, porém, a mesma não prevê
uma punição padrão para os alunos e professores que utilizarem os aparelhos em
classe”.
Concluindo: pode usar o
celular sim, desde que voltado ao ensino, mas não pode usar o celular de outra
forma (?). Você achou o texto confuso? Eu achei. Fica evidente que todos irão
acatar a proibição total do aparelho, e estarão amparados na lei.
Contudo, vou fazer uma
pequena intervenção com fatos da vida real, e que
também deveriam ser proibidos
por lei:
- enviar mensagem (ou Whatsapp) quando está fazendo refeição entre amigos ou em família,
- atender ao telefone no meio de uma conversa ou reunião,
- ouvir música em volume alto sem fone de ouvido,
- publicar fotos de todos os ângulos de seus filhos nas mídias sociais,
- falar ao celular enquanto dirige (ah, isso já é proibido, esqueci!),
- dar celular de presente para um criança,
- dar um iPhone 6 com pacote de dados full de presente para uma criança, entre outros.
Por que só na escola é
errado usar celular?

No entanto, um jovem com
idade entre 10 e 17 anos, mais ou menos, ainda não possui capacidade para
compreender e controlar muitas coisas, como seus sentimentos, suas emoções,
suas opiniões, seus gostos, seus relacionamentos, um carro, um avião, conteúdo
sobre mecatrônica, qual a função de todos os elementos da tabela periódica e
possíveis combinações. Da mesma forma, precisa ser orientado sobre conversas
paralelas, bilhetinhos, revistinhas impróprias, zoar da roupa/cabelo, óculos do
colega, etc.
A solução então seria:
vamos proibir que os alunos conversem, que escrevam, que manifestem seus
sentimentos, que debatam um assunto, que sejam criativos, que sejam jovens e
que saiam de dentro da escola, para não correr risco de serem influenciados
pelas interações sociais.
Ou seria melhor rever a
formação dos professores para que tenham apoio e consigam agregar as situações
da vida real na formação ideal aos alunos de hoje?
Sob pena de ser xingada
por muitos professores que estão lendo este texto, deixo aqui o meu
posicionamento:
proibir qualquer tecnologia que proporcione
inovação nos
processos de ensino e de
aprendizagem é um retrocesso injusto à
formação dos
alunos; é uma barreira à evolução
de sua aprendizagem; é pausar a construção de
conhecimento; é deixar a escola cada vez mais
distante da sociedade.
Vamos recordar que o
celular surgiu na década de 70. Na época, o valor de compra era alto e o
aparelho nada atraente, sendo assim, atingiu poucas pessoas de classes sociais
mais elevadas. No entanto, como tudo o que acontece ao redor da escola, a
tecnologia do celular foi aperfeiçoada. Hoje, o valor é baixo, o celular é
acessível, bonito, moderno, divertido e faz um monte coisa. Com ele falamos,
ouvimos, enviamos mensagem, tiramos fotografias, fazemos vídeos, navegamos na
internet, consultamos mapas, mantemos nossa agenda pessoal. Muitas famílias
aboliram o telefone fixo e todos os membros possuem um plano de ligações que
possibilita que conversem entre si por um preço baratinho. Todo mundo “precisa”
e tem um celular.

Mas quando esse jovem
entra na sala de aula portando um desses aparelhos, encontra desprezo,
inclusive dos profissionais que estão dentro da escola utilizando um. O celular
passa a ser feio, inapropriado, e é insultado. E, assim, a escola continua
sendo excluída da sociedade, como se fosse uma esfera alienígena no espaço.
É necessário aceitar que o
celular faz parte da vida de todos nós: alunos, pais e professores. E é
necessário conhecer qual espaço ele ocupa na vida do aluno, daí então sua
importância poderá ser medida.
Como um livro didático,
sobre o qual conhecemos o conteúdo e em qual página está, é necessário conhecer
o aparelho e suas funcionalidades. Ter um planejamento sólido, como em qualquer
outra aula.
Para que a prática gere
bons resultados, é importante que, antes de iniciar o trabalho, o professor
explique aos estudantes o momento em que o celular será usado e quando ele deve
estar desligado. Da mesma forma que orienta qual livro abrir nas aulas de História,
qual esporte praticar nas aulas de Educação Física, que tipo de trabalho
desenvolver, quais ferramentas usar durante uma avaliação.
Faça uma análise do perfil
da sua turma. Preste atenção na personalidade da maioria. Leve em consideração
a aceitação e a organização deles para atividades diferenciadas. E selecione os
conteúdos, dentro das disciplinas, em que é possível utilizar o celular de
forma a agregar conhecimento.
Diretores, coordenadores,
orientadores, funcionários em geral e, principalmente, professores, também
devem desligar seus aparelhos enquanto estiverem trabalhando. Exemplo!
Em 2013, a Unesco publicou
um guia com dez recomendações para governos implantarem políticas públicas que
utilizem celulares como recurso nas salas de aula. Dentre elas está capacitar
educadores usando tecnologias móveis, promover o uso seguro, saudável e
responsável de tecnologias móveis e usar tecnologia para melhorar a comunicação
e a gestão educacional. Além disso, o documento traz 13 motivos para tornar o
celular ferramenta pedagógica.
O problema nunca é a
tecnologia, o objeto ou o aparelho, mas sim o que fazer com tudo isso, dentro
da sala de aula.
O que é
preciso entender é que, independente da nossa vontade, o celular existe e
influencia a forma como nós, professores, ensinamos aos alunos que, nesse
momento, talvez não tenham a necessidade de aprender tudo aquilo que julgamos
que é necessário ensinar porque eles já estão com a informação na palma da mão.
Cabe a nós potencializá-la.
Algumas dicas para o uso
do celular na educação podem ser acessadas aqui. E também sugiro que conheçam
esta experiência:
TEXTO ADAPTADO
*TALITA MORETTO é
jornalista especialista em Tecnologias na Aprendizagem, coordenadora do
Programa Vamos Ler e Autora do blog SALA ABERTA. Contato:
SALAABERTA@SALAABERTA.COM.BR.
FONTE:
http://salaaberta.com.br/2014/10/21/opiniao-comunicacao-interrompida-e-proibido-usar-celular/
ARTIGO Também publicado
nos portais RIOEDUCA.NET e NET EDUCAÇÃO
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